COM O CORAÇÃO, PARA O CORAÇÃO

Mariane faz curso de serigrafia do SENAI para pessoas com deficiência. É magra, jovem, mas é difícil a aproximação pela falta de pistas faciais que indiquem receptividade. Tem paralisia facial. Com três anos, gripe muito forte, hospitalizada. A imunidade baixa levou à séria infecção hospitalar, somada a alergia a medicamentos, resultando em ataque à metade de seu rosto e pescoço tão brutal que praticamente em uma semana lesou de forma irreversível músculos e nervos. Sobraram a estrutura óssea e inervação com resposta exageradas (aplicação de Botox, bi-anual é um alívio) e dificuldade para expressar emoção Uma experiência como a de Mariane congela a vida – precisou fazer muitas cirurgias, mais de quarenta, sofreu novas infecções, tentando construir um novo rosto e parte do couro cabeludo. Até hoje, com seus vinte e poucos anos, não recebeu alta. Considerada um caso crônico, é atendida em otorrinolaringologia, odontologia especializada, cosmiatria e plástica. Tudo isto na cidade de São Paulo, o que deixa a vida muito complicada. É muito tempo de hospital, consultas, tratamentos, viagens, e pouca disponibilidade para estudo, descanso, trabalho, passeios. Uma de suas saídas é ter cerca de trinta amigos com que se corresponde, atividade em que há certo controle que pode exercer. Não gostava da escola, lugar em que escutava deboches e piadinhas, e precisava lutar muito pelo próprio espaço. Terminou o ensino médio. O que estou tentando mostrar é que este arranjo involuntariamente perverso de local de atendimento distante, agendamento com equipes do hospital que implicam em múltiplas viagens, falta de orientação para o acolhimento desta criança na escola, tornaram o seu ritmo de vida algo difícil de ser normal. Como aprender a ser suave num mundo de tantos espinhos?Buscou trabalho, foi estagiária enquanto estudante quatro horas/dia, Precisou sair pelo limite de idade. Lamentou, estava feliz. Já trabalhou como empregada e faxineira, mas as interrupções sistemáticas para o tratamento atrapalham seu serviço. Procurou até se adaptar a atividade noturna, mas novamente as piadinhas e restrições ao tratamento complicaram a relação, acabou deprimida, não conseguindo cuidar de si mesma, sem alimentação ou sono adequados, chegando a duvidar da validade de viver. Faz terapia. Busca trabalho. Ser pessoa produtiva e pertencer a vários grupos sociais é direito de todos, essencial para todos. É mais difícil para pessoas com deficiência, e talvez mais ainda para pessoas com aparência diferente. Quando vamos aprender a olhar com o coração e para o coração?

Caso real, nome trocado por privacidade.

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